Estamos certamente errados

O ser, a sociedade e a Escola, provavelmente já perderam seu teor questionador, sua veia da dúvida obstruiu-se com a mudança de lado para o comodismo do lindo mundo maravilhoso imediatista descartável do capitalismo, onde abordar temas sobre gênero, direitos, religião e política transformou-se em pecado.
Como?
Um pecado laico na Escola!
Estranho, porém nada de novo sendo a Escola o reflexo da sociedade passiva, repressora, opressora, machista, misógina, racista, excludente, homofóbica, distoante, misoneísta e concordada. Infiltrando-se timidamente agressiva como água entre as rochas, conseguem que você violentamente calmo aceite com absoluta certeza não duvidar, não criticar, não opor-se, não discutir, pois executar quaisquer desses subversivos divinos atos terroristas será excesso de falta de educação e, demasiadamente inoportuna. Francis Bacon, no “Novum Organum” traz uma análise interessante sobre esse processo:
“Cada um [...] tem uma caverna ou uma cova que intercepta e corrompe a luz da natureza; seja devido à natureza própria singular de cada um; seja devido à educação ou conversação com os outros; seja pela leitura dos livros ou pela autoridade daqueles que se respeitam e admiram.”

Condicionam todos a uma nova forma de pensar: não pensar!
Paralelamente opor-se, poderá vir de um condicionamento, de uma acomodação em uma realidade pregressa e ou de uma esperança em uma realidade redundantemente futura.  Assim, como a necessidade de um simples detalhe, como o dinheiro, em um mundo onde este é deificado, a busca pela oposição a benesses - leia aprisionamentos -, nessa globalização ideológica  individualista, transforma o crítico, o pensador, o questionador em pseudointelectual, agitador, antagônico, o chato. Muitas vezes ele o é!
Paul Ricoeur, em “Interpretação e ideologias” explica algo relevante e necessário ao nosso ensaio:
“Admite-se com muita facilidade que o homem da suspeita está isento da tara que ele denuncia: a ideologia é o pensamento do meu adversário; é o pensamento do outro. Ele não sabe, eu, porém, sei. Ora, a questão é a de saber se existe um ponto de vista sobre a ação que seja capaz de escapar à condição ideológica do conhecimento engajado na práxis.”

Ai deste se não firme e forte adentrar um movimento, manifestando favoravelmente sua opinião a tal acontecimento seja este político, social, econômico, cultural, desportivo, etc. No entanto, não visualiza base argumentativa suficiente para agir, apesar de reconhecer a súplica inconsciente, encontra-se na situação que, sabe ser a única opção, despertar aqueles que julgam obnubilados no oblívio, para pensarem conscientemente indócil. Bertold Brecht, em “A exceção e a regra”, traz uma provocação necessária àqueles que sentem medo de agir:
“Nós vos pedimos com insistência:
Nunca digam – Isso é natural! [...]
A fim de que nada passe por ser imutável. [...]
Sob o familiar, descubram o insólito.
Sob o cotidiano, desvelem o inexplicável.
Que tudo que seja dito ser habitual,
Cause inquietação.
Na regra é preciso descobrir o abuso.
E sempre que o abuso for encontrado,
É preciso encontrar o remédio.”

Essa empreitada é a mais difícil, densa, complexa, tensa, paradoxal e perigosa. Se correr em seus pensamentos, velozes ideias opressoras, repreenderá nestes a ânsia de duvidar, amarrará suas asas críticas e atrofiará seus pequenos impulsos questionadores, metamorfoseando-os em seres reprimidos, repressores condicionados.
Iguais a mim e a você? Sim? Não? Talvez?
Reprimimos uns aos outros, individualizamo-nos por adorarmos nossas idênticas diferenças e por detestarmos nossas discrepantes semelhanças negando aquilo que purifica-nos, a dúvida, que tem como princípio não deixar-nos contaminar com sugestões e argumentos, não obstante por eles estamos contaminados, deixamos de ser puros, assim não aceitamos a dicotomia preso-livre.
Somos livres? Aqui um auxílio de André Comte - Sponville, presente no “Dicionário filosófico”, ao nosso raciocínio:
“Cumpre lembrar, ademais, que ninguém é sábio por inteiro – que a liberdade é menos uma faculdade do que um processo. Ninguém nasce livre: tornamo-nos livres, e esse processo nunca cessa. É porque o livre-arbítrio não existe que precisamos nos libertar sempre, e antes de tudo a si. É porque a liberdade nunca é absoluta que a libertação permanece sempre possível, e necessária.”

A sociedade formada por nós expurga a expressão, mas insistimos, expressamos e acreditamos gozar de liberdade, mesmo atrelados ao comodismo da neutralidade, da aceitação ou da oposição.
Perseguindo sempre a certeza, criticando os contrários determina-se: estamos todos errados quando concluímos estarmos corretos e invariavelmente sempre certos, quando aceitamos a descoberta utópica que conhecemos muito por nada saber, no entanto, errados quando cremos em algo exato. Mais algumas palavras de Comte – Sponville, presentes na “Apresentação da filosofia”:
“Entre a ignorância absoluta e o saber absoluto, há lugar para o conhecimento e para o progresso dos conhecimentos.”

Talvez por isso a sociedade e seu turvo reflexo brilham distorcendo-se estaticamente em evolução, percorrendo um caminho dialeticamente inexistente monopolizado pela não ação dos inconscientes prostrados ou pela ação açambarcada pelos mais racionalmente capazes. Basta você escolher!

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