E os passarinhos, onde ficam? Questionamentos sobre a situação do CEA – Centro de Engenharia e Automação do IAC – Instituto Agronômico de Campinas em Jundiaí

*Escrito originalmente para a Revista Cidade, Patrimônio & Memória


Rosa na roda,
rosa na máquina,
apenas rósea.

Selarei, venda murcha, meu comércio incompreendido,
pois jamais virão pedir-me, eu sei, o que de melhor se compôs na noite,
e não há oito contos. Já não vejo amadores de rosa.
Ó fim do parnasianismo, começo da era difícil, a burguesia apodrece.
Aproveitem. A última
rosa desfolha-se.

Trecho de Anúncio da Rosa de Carlos Drummond de Andrade
Acervo CEA/IAC
O governo confirma, por meio de nota, que tem a intenção de vender o terreno onde funciona o instituto agronômico, mas a informação é que ele não será desativado, e sim modernizado e realocado em outra área.
G1/TVTEM Sorocaba e Jundiaí 21/08/2016

Para reforçar o argumento da importância do IAC em Jundiaí, foram divulgados dados sobre sua produção ao longo dos anos, como os 20 livros publicados por seus pesquisadores, os 345 artigos, os 450 textos em jornais e revistas, os 266 trabalhos científicos levados a congressos importantes, dentre outros.
Destacam-se também a criação de 31 produtos tecnológicos, os 262 trabalhos técnicos, os 123 projetos de pesquisas, os prêmios e títulos conquistados pela equipe (16) a participação em 788 eventos e a organização de outros 120.
A área do IAC é de 1.200.000m², onde estão três nascentes, quatro lagos e uma área de 262.000m² de mata nativa e cerrado. Pastagens e construções chegam a 870 mil metros quadrados. Agora são os problemas legais. Primeiro, que há uma lei de 1988 que determina que as áreas da Fazenda do Estado onde há estações experimentais, postos e fazendas da Coordenadoria Agropecuária ficam submetidas ao regime de Preservação Permanente.
Segundo: Uma lei de 2011 autorizou o Estado transferir para a Prefeitura, sem custar nada, os direitos de posse do lugar onde está funcionando a escola.
Portal Jundiaí Notícias 03/06/2016

Na justificativa do projeto, encaminhado em regime de urgência, o governo afirma que o objetivo da alienação dos imóveis é permitir ao Estado angariar fundos necessários a mitigar a crise fiscal e a perda de arrecadação decorrentes do atual cenário macroeconômico vigente. O valor de todos os imóveis que serão alienados à Fazenda ou que já pertencem à pasta e fazem parte do plano de capitalização do governo foi estimado em R$1,43 bilhão, “que poderá ser utilizado de modo mais condizente com o interesse público que se coloca no atual cenário socioeconômico”, conforme justificativa do projeto.
Jornal de Jundiaí – Portal JJ 19/04/2016

O governo de São Paulo perdoou dívida de R$ 116 milhões da empresa francesa Alstom, que presta serviços ao Metrô e é investigada por envolvimento no cartel de trens. Segundo reportagem do jornal “Folha de S.Paulo”, o governo também aceitou que o produto contratado seja entregue até 2021, com dez anos de atraso. O governador Geraldo Alckmin (PSDB) negou que houve perdão de dívidas.
G1/GLOBO SP  25/07/2016

No Brasil, sabemos, desde estudos acadêmicos ao senso comum que educação em seus variados aspectos e pesquisas científicas não recebem a atenção devida. Seja por grande parte da população, como pelo governo instituído. Assim o tom pessimista permeia as discussões a esse respeito, felizmente ou infelizmente é um tom próximo de Aldous Huxley, que em seu livro Admirável Mundo Novo de 1931, “anteviu” a nossa sociedade (?) quando na fala do Diretor de controle de reprodução ele escreve:

"Nós acondicionamos as massas a detestarem o campo – disse o diretor em conclusão -, mas, simultaneamente, as condicionamos a adorarem todos os esportes ao ar livre." (HUXLEY, 2001)

Assim como na história citada, hoje vivemos um esvaziamento, alienação a tudo e todos, consumismo transformado em necessidade, escolas como depósitos, especulação imobiliária camuflada em urbanização como se nada mais fosse absurdo ou errado. É de extrema urgência debater, as dúvidas pululam e só serão sanadas pelo interesse defendido com mais energia. E sabemos que o interesse econômico especulatório tende a sobrepujar qualquer interesse subjacente.
O caso em discussão, o Instituto Agronômico de Campinas, especificamente o Centro de pesquisas de Jundiaí. Está sob a tutela da Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios da Secretaria de Agricultura do Estado de São Paulo. Fundado por D. Pedro II em 1857 e a partir de 1892 passou a ser administrado pelo Governo do Estado de São Paulo. Atualmente (por enquanto) possui 12 centros de pesquisa, 161 pesquisadores científicos, 319 funcionários de apoio e área física com 1279 hectares distribuídos por Campinas, Jundiaí, Ribeirão Preto, Votuporanga e Cordeirópolis.
No município de Jundiaí, foi instalado o Centro de Mecânica Agrícola com desapropriações (talvez polêmicas, como no caso dos Storani, o que é explicado através das certidões de registro de imóveis) de algumas áreas de propriedades de agricultores, à altura do Km 65 da atual Rodovia Dom Gabriel Paulino Bueno Couto, antiga Rodovia Marechal Rondon. Os planos para instalação e início das obras foram entre 1958 e 1962. Entre 1963 e 1966, foram finalizados as instalações e treinamento do corpo técnico. Em julho de 1969 o Centro de Mecânica Agrícola passou a fazer parte do Instituto Agronômico de Campinas.
Por volta dos anos 1970 o Departamento de Engenharia de Mecânica Agrícola, foi extinto passando a constituir a Divisão de Engenharia Agrícola - tais mudanças decorrentes por força do decreto 49.166-20/12/67 onde a partir da desapropriação de ações da Companhia Paulista de Estrada de Ferro, a Companhia Agrícola, Imobiliária e Colonizadora, sendo propriedade do Estado passa a negociar com empresas estrangeiras maquinários e investimentos um deles O Banco Interamericano de Desenvolvimento com aval do Banco do Estado de São Paulo S/A, ainda com prejuízos a cargo do Poder Executivo e Estado - em 1998, seu nome foi alterado para Centro de Mecanização e Automação Agrícola, em 2001 para o atual Centro Avançado de Pesquisa Tecnológica do Agronegócio de Engenharia e Automação.
Após esse breve histórico, lista-se algumas importantes e mais que necessárias pesquisas desenvolvidas no espaço de estudos que será transformado em loteamento, que por sua localização não apresenta características de moradias populares. São estas e seus pesquisadores responsáveis:
  • Afonso Peche Filho:
    Estudos de ambientes e da variabilidade espacial de parâmetros utilizados na avaliação quantitativa e qualitativa de sistemas operacionais da produção. Avaliação do estado da arte e desenvolvimento de semeadoras-adubadoras e distribuidoras de corretivos e fertilizantes para pequenas propriedades. Análise das características operacionais de distribuição mecanizada de biossólidos, fertilizantes orgânicos e organominerais e substratos. Análises em processos operacionais do sistema plantio direto com baixo uso de insumos. Qualidade do processo operacional no cultivo da batata. Preparo do solo para a cultura do amendoim.
  • Antonio Odair Santos:
    Mecanização de processos de manejo da videira.
    Impactos da relação solo-planta-clima sobre a qualidade de suco da uva e vinho.
  • Cláudio Alves Moreira (pesquisador colaborador):
    Desenvolvimento de equipamentos mecanizados para culturas: 1) videira: podadora, desfolhadora, perfuradora de solo; 2) sisal e outras fibras: desfibradora com alimentação mecânica, ferramentas manuais de corte.
    Desenvolvimento de equipamentos e execução de ensaios estáticos, dinâmicos e de impacto em transmissões articuladas (cardan).
  • Gláucia Moraes Dias:
    As pesquisas gerenciadas por Gláucia Dias têm por objetivo oferecer novos produtos para o mercado de plantas ornamentais, bem como solucionar as dificuldades que surgem na pós-colheita e afetam a cadeia produtiva de flores, sempre gerando ou adaptando tecnologias existentes. Atualmente coordena os projetos: A) Atmosfera modificada em armazenamento refrigerado de flores de corte (Financiamento FAPESP) e B) Tecnologia pós-colheita de plantas tropicais.
  • Ila Maria Corrêa:
    Estuda a adequação dos tratores fruteiros do Brasil à descrição da International Organization for Standardization para tratores estreitos e as condições de uso de protetores de eixo cardan em propriedades agrícolas.
  • Jener F. Leite de Moraes (atua também no Centro de Solos e Rec. Agroambientais):
    1) Variação temporal dos fragmentos florestais na bacia hidrográfica do Rio Jundiaí-Mirim. O projeto visa analisar as alterações na qualidade ambiental dos fragmentos florestais na bacia hidrográfica do Rio Jundiaí-Mirim entre 1972 e 2011 e propor cenários futuros em função das alterações no uso e ocupação das terras.

    2) Gerenciamento ambiental e gestão de recursos hídricos do município de Campo Limpo Paulista. Projeto desenvolvido pelo IAC, em parceria com a prefeitura de Campo Limpo Paulista e que tem a participação da UNICAMP e ONG-Caminho Verde. Elaborou-se um zoneamento agroambiental, em consonância com o plano diretor do município. Todas as informações geradas no projeto estão disponibilizadas em www.campolimpopaulista.sp.gov.br/meioambiente.
  • Juliana Sanches:
    Desenvolvimento de metodologias de classificação e seleção de frutas e hortaliças através de imagens digitais (bidimensionais e tridimensionais). Potencial de armazenamento refrigerado de frutas de caroço adaptadas a climas quentes. Desenvolvimento de metodologias de avaliações não destrutivas para determinação da qualidade pós-colheita de frutas e hortaliças.
  • Moises Storino:
    Utilização de informações georreferenciadas na gestão agrícola.
    Automação da avaliação do comportamento do motor como indicador de desempenho dos conjuntos trator/implemento.
    Automação dos procedimentos de avaliação da rugosidade superficial de solos.
  • Roberto da Cunha Mello:
    Desenvolvimento de lâminas serrilhadas para o corte de base de colhedoras de cana-de-açúcar . Desenvolvimento de colhedora de cana-de-açúcar para a pequena propriedade. Desenvolvimento de escada para colheita manual de citros.
De acordo com um relatório de 2015 realizado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico em parceria com a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação e divulgado pelo Ministério de Desenvolvimento Agrícola, reafirma a importância desse setor na castigada economia brasileira, principalmente na agricultura familiar, sendo um centro de pesquisa do porte do CEA/IAC estabelecido em Jundiaí há décadas tem um papel fundamental para o país, sendo esses estudos base para qualquer tamanho de propriedade rural, principalmente para as pequenas roças familiares. Lembrando que esse relatório afirma que o Brasil é um dos maiores exportadores agrícolas do mundo e o maior em produtos como café, açúcar, carne bovina, álcool, carne de frango, suco de laranja e tabaco, até 2024 poderá ser o maior, hoje ainda perde para os EUA e União Europeia. Se isso não bastasse para preservar e manter o centro de pesquisa em Jundiaí, talvez a lei 6.150-24/06/1988 garante regime de preservação permanente, enquanto unidades destinadas à geração e difusão de tecnologias agropecuárias, ou seja, o instituto deve permanecer por força de lei, está protegido.
Outra discussão interessante é a área ocupada pelo CEA/IAC, segundo o site da instituição o local é de 110 ha, de acordo com as certidões de registro de imóveis chega a 3 697 746m², sendo que a lei antes citada exige um memorial descritivo para preservação, então é algo a receber a devida atenção, pois segundo o Instituto, o que excede 110 ha pertence a ETEC Benedito Storani. Quanto a área construída do Instituto mantém aparentemente 11 500m².

Crédito: Alexandre Martins Jornal de Jundiaí 
 Essa bela foto mostra o local a ser loteado para cobrir o caixa do Estado, observe a lateral direita a Serra do Japi, que é considerada Reserva da Biosfera pela Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura UNESCO desde 1992, e tombada desde 1983 sob a chancela de Aziz Ab’Saber, infelizmente o CONDEPHAAT, responsável por tentar proteger bens importantes referentes ao Estado de São Paulo, retirou há algum tempo a exigência padrão de uma área envoltória de 300 metros, no caso da Serra do Japi poderia, assim como em outras ser muito maior, pois, sua fauna e flora não reconhecem limites urbanos, estas são apenas impelidas a aceitar a “civilização” capitalista e as “necessidades” humanas. O instituto e a Serra estão em estudos para tombamento pelo COMPAC, o órgão responsável em Jundiaí por tentar proteger a história em toda a sua gama.
Talvez tenhamos que agir sob o exemplo de Vasco Venchiarutti, que em 1960, quando prefeito desapropriou parte do topo da Serra com o objetivo de advertir seus sucessores e plantar a ideia de um parque público, o que Ab’Saber era totalmente contra. Seguindo mais um exemplo importante de 1978, em torno de 3 mil pessoas marcharam contra a especulação imobiliária que já ameaçava a Serra, partindo da Praça da Bandeira até o Pico do Mirante. Caso não se lembre estavam todos na mira da ditadura militar. Proteger a área do IAC/CEA em Jundiaí, é tão necessário que pode proteger também a Serra. Se não for suficiente argumentação para a proteção e manutenção de tudo já explicitado, talvez, preservar a vida de 29 espécies de anfíbios, 19 espécies de répteis, 31 espécies de mamíferos, mais de 216 espécies de aves e 652 espécies de borboletas e milhares espécies de plantas como consta nos estudos apresentados no livro História Natural da Serra do Japi de Leonor Patrícia Cerdeira Morellato, seja suficiente.
Se não há preocupação em manter um centro de pesquisa, os pesquisadores e suas famílias, em reconhecer cerca de 20 livros publicados por seus pesquisadores; 450 textos em jornais e revistas; 345 artigos; mais de 260 trabalhos científicos apresentados em congresso; 260 trabalhos técnicos, criação de mais de 30 produtos tecnológicos; mais de 120 projetos de pesquisas; 16 prêmios e títulos conquistados pela equipe e a participação em cerca 790 eventos e a organização de outros 120. O que importa? Nada?

Já que nada mais importa, vamos nos preocupar com o que realmente interessa. E os passarinhos, onde ficam?



Fontes:

Relatórios Gerenciais DEMA-CAIC-CEMA-CEA 1954/1969

Atas da Assembleia Legislativa de São Paulo 1969 - 1988

Bibliografia:



BROWN JR., K.S. (1992). Borboletas da Serra do Japi: diversidade, hábitats, rescursos alimentares e variação temporal. Pp- 142-187. In. L.P.C. Morellato (ed.)  História Natural da Serra do Japi. Ecologia e preservação de uma área florestal no sudeste do Brasil . Ed. UNICAMP, Campinas – SP.
HADDADD, C.F.B. & SAZIMA, I. (1992). Anfíbios anuros da Serra do Japi. Pp 188-211. In. L.P.C. Morellato (ed.). História Natural da Serra do Japi. Ecologia e preservação de uma área florestal no sudeste do Brasil . Ed. UNICAMP, Campinas – SP.

HUXLEY, A.  Admirável Mundo Novo. Trad. Vidal de Oliveira. Editora Globo, São Paulo: Editora Globo.
LEITÃO-FILHO; H De F.(1992). A flora arbórea da Serra do Japi. Pp 40-62. In. L.P.C. Morellato (ed.). História Natural da Serra do Japi. Ecologia e preservação de uma área florestal no sudeste do Brasil. Ed. UNICAMP, Campinas – SP.
MARINHO-FILHO, J. (1992). Os mamíferos de Serra do Japi. Pp. 264-267. In L.P.C. Morellato (ed.) História Natural da Serra do Japi. Ecologia e preservação de uma área florestal no sudeste do Brasil . Ed. UNICAMP, Campinas – SP.
RODRIGUES, S.R. (1992). As aves da Serra do Japi. Pp 238-263.  In L.P.C. Morellato (ed.) História Natural da Serra do Japi. Ecologia e preservação de uma área florestal no sudeste do Brasil . Ed. UNICAMP, Campinas – SP.
SAZIMA, I & HADDAD, C.F.B..(1992). Répteis da Serra do Japi: notas sobre história natural. Pp 212-236. In L.P.C. Morellato (ed.) História Natural da Serra do Japi. Ecologia e preservação de uma área florestal no sudeste do Brasil . Ed. UNICAMP, Campinas – SP.
Sites:
http://www.iac.sp.gov.br/areasdepesquisa/engenharia/
http://www.jj.com.br/m/noticias-29288-estado-vai-se-desfazer-de-area-do-instituto-agronomico-de-jundiai

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