Do amorfismo à dessacralização e esquecimento

Perceber a salvação, expiação, iluminação e libertação com definições determinadas por artigos definidos e personificações quanto a imagem da divindade à qual dirige-se um pedido, agradecimento ou oferta define o período, o local e a espiritualidade e religiosidade (dogmas?) com seus graus de desenvolvimento. A sociedade atual tendo por base uma concepção historiográfica pautada no patriarcalismo disserta teorias sócio-político-econômica-culturais, assentando o homem, a figura masculina como provedor, alicerce. A mulher no caso seria “apenas” a responsável pela continuação da espécie, parir, cuidar, alimentar, educar  etc.
Dentro da conjectura patriarcal atual isso é simples, obrigação da mulher, e até algumas décadas atrás no ocidente passível de ofensa publica caso a figura feminina não cumprisse com seus afazeres sociais. No oriente, em grande parte isso ainda ocorre, desafiar a “tradição”, nesse caso teocraticamente pode levar a morte, interessante...! O oriente é considerado o berço da sociedade, ou seja, ao compararmos nossa sociedade judaico cristã ocidental à sociedades que antecederam a nossa vemos uma evolução na questão social, correto? Sim e não, sim porque no aspecto já citado a mulher “goza de direitos”, exceto equanimidade, mas negativo no sentido que a espiritualidade que por meio da mulher nos é destinado é esquecido por ambos.
Nas religiões mais conhecidas, temos figuras sempre masculinas como exemplos a serem seguidos, não está em discussão a figura de pessoas santas, mas sim daquelas que de certa forma fundaram  novos rumos para o pensamento humano ou são o foco divino, considerado muitas vezes inalcançáveis fisicamente na busca por benefícios próprios e a outrem, Jeová, Elohim, Deus Pai, Jesus Cristo, Zeus, Moisés, Zoroastro, Maomé, Krishna (apesar da grafia levar a crer ser uma figura feminina, essa divindade é um avatar do Deus Vishnu), porém possui Brahma quem cria e concebe e Sidharta Gautama.
Aprofundemo-nos, na mitologia grega em seu princípio tudo se originava e se dirigia a Mãe Terra, Gaia, pois ela assim existia e concebia os Titãs, o Ponto (mar), Zeus, somente ela poderia dar a vida, o sopro, ela dá a luz ao corpo, ao céu, as profundezas da terra, o inferno, e tudo que permanece e impermanece nesse espaço, nesse campo. Gaia, tudo trouxe a existir, e a tudo pode engolir, o Olimpo, os ciclopes, os deuses, as deusas, os humanos, os soldados, as ninfas, as górgonas, o vento e os animais, se dela tudo veio e ela ainda existe, é fácil provar, olhe para os lados...! Por que dirigir maior importância a Zeus, que nada fez a não ser existir a partir da mãe criadora? Aqui podemos estabelecer que a mãe (Gaia) assim como muitas mães terrenas nega a sua vontade ante a dos filhos, é misericordiosa, tudo dá eles, a vida à eles e por eles, e nada espera em troca a não ser amor, carinho, sem cobrar a reciprocidade, apenas sendo humilde. Bom, o seu deus também é definido assim? Por que então esquecer-se de quem é tão importante e direcionar a principalidade a outro?
No cristianismo tem-se Deus o Pai, figura masculina, vista por alguns, que o definiram como homem excelso, mas homem, seu filho Jesus Cristo e o Espírito Santo, a Santa Trindade. Temos aí três figuras masculinas, cadê a mulher? Quando uma criança se assusta ela procura abrigo na mãe, na sociedade atual é quase impossível não achar famílias nas quais a mãe é figura provedora, cuidadora e mantenedora, vezes pela falta física do pai e/ou negligencia do “pai”. Mas perguntar pela mulher, por quê? Se existe Deus o Pai, onde está Deusa Mãe? Lembrando que Elohim é uma palavra que apresenta o plural de Eloha, substantivo feminino.
Definir uma sociedade apenas no âmbito masculino é um erro, no cristianismo há o respeito na ala protestante pela mãe terrena de Jesus e certo deleite pela ala católica em sua figura, já é um começo, mas e a mãe divina? O medo por certos homens ao estabelecerem determinados ritos negligenciam a figura feminina, já que a mulher detém o poder criador? Na Idade Média o cristianismo operado por homens terrenos mandava queimar mulheres por poderes que elas teriam ao curar seus filhos ou quaisquer outras pessoas, isso seria permitido apenas aos clérigos... já que era pra queimar por possuir poderes de cura ou obscuros, queimassem todas pois dar a vida é um poder grandioso.
Dentre os apóstolos só homens... os apócrifos (livros considerados obscuros, gnósticos e que traziam imagens destoantes do “ideal” cristão de ser, que foram excluídos e negados como verdadeiros nos concílios romanos), traz um Jesus diferente, mais próximo da humanidade, do princípio feminino, da mulher e solícito a existência de uma Mãe divina, ao tratar as mulheres em sua vida com o respeito que o cristianismo dos séculos posteriores esqueceram. Estamos falando de 2.000 a 3.000 anos atrás. Vamos mais longe.
Assim como as grandes culturas do passado longínquo e os mestres que desde então nos ensinam, cada um ao seu tempo e ao seu modo Krishna, Buda, Moisés, Jesus Cristo e tantos outros, contemporâneos ou não, beberemos na mesma fonte, se possível e dentro das limitações, de um conhecimento espiritual mais elevado, que estava no início, não apenas existia, pois para existir algo, deveria não existir antes, mas já estar no âmago, dentro da existência primordial, sem ser definido como uma religião mas sim como o princípio da vida, dos ensinamentos, a origem do que chamamos hoje de religiosidade e espiritualidade.
O poder do Espírito Supremo ou Brahman, Adhiyagya ou Força Suprema manifesta sua força criadora como Mãe Divina (conhecida também como Avaloktshivara ou Dalai Lama, a Grande Mãe para os budistas), apesar das distinções feitas por cada religião (cada qual sua linguagem, entendimento e evolução), o que é plausível, dentro do prisma de tamanha Força, não estamos em uma Yuga que nos será permitido vislumbrar vulgarmente tamanha energia sutil, de todos os grandes ensinamentos que se desenvolveram a partir da Sanaatan Dharma ou conhecido atualmente como hinduísmo, modo de vida confundido com uma religião politeísta na Índia, foi a que conseguiu transmitir grande parte dessa Força original, a Vibração Criadora, na forma de ensinamentos. Krishna, Buda e Jesus podem ser considerados os grandes mestres dessas escrituras, cada qual ao seu tempo e local, e de acordo com a capacidade humana de percepção, discernimento e espiritualidade.
Todos viveram para a humanidade, desenvolvendo o buddhi, o intelecto espiritual; por meio da diksha, iniciação espiritual; Gyana yoga, percorrer o caminho do discernimento; Bhakti yoga, direcionar os sentimentos para cima ao Espírito supremo; Karma yoga, a reta ação espiritual; dhyana, absorção em meditação profunda controle do prana, Buda sob a árvore bodhi, Cristo no Getsemani; dharma, virtude, honestidade; Kumbhaka, retenção da respiração; Ashtanga yoga, as oito etapas da iluminação até se tornar jivan mukta, liberto em vida; moksha, libertação perfeita e final com a união com a Consciência Divina, param mukta, uma alma livre, Brahmisthiti pelo despertar e controle brahmacharya, da Kundalini que flui para dentro do corpo kshetra em direção ao Kutastha Chaitanya, a consciência crística pela sushumna, espinha profunda em nirbikalpa samadhi, êxtase incondicionado pela elevação da kundalini até sahasrara, pela Kriya yoga a Lótus de mil raios no topo da cabeça.
 Esse parágrafo foi um mero descrever de algumas ações e nomes que pode ajudar a perceber a complexidade de ensinamentos que foram muitas vezes mal interpretados, justificando a gama de denominações religiosas existentes e que infelizmente não entendem os benefícios reais para a humanidade, um exemplo claro e perigoso é o esquecer de quem nos criou, Brah – má é o aspecto criador de acordo com a Sanaatan Dharma, a religião eterna, em palavras de fácil compreensão, ou seja seria a Mãe criadora, aspecto feminino, divina da qual não falamos e por culpa de nossa falta de conhecimento confundimos com maya, a ilusão manifestação exterior da Força criadora que se mostra como Prakriti, a Mãe natureza inteligente, responsável pelo “espetáculo” que percebemos exteriormente com a Natureza imanente, a realidade oculta por trás de todo o universo material, Paraprakriti, oposta a Natureza transcendente. Tais confusões podem deturpar quaisquer mentes ao não se perceber a diferença da Força criadora, divina com a representação de maya, samsara. Conhecer, buscar a interiorização da mente pratyahara, e elevar bons pensamentos pode evitar que façamos imbróglios como este.
Uma outra má interpretação pode ter sido feita na história de Ganesha. Shiva que por comparativo na tradição cristã seria o Deus Pai. Parvathi, esta estava indo banhar-se, limpou o suor de seu corpo e criou com ele a figura de um menino, deu-lhe vida, pois é a mãe, figura feminina e chamou-lhe de filho. Shiva foi visitá-la, porém o menino não permitiu que ele entrasse, eles lutaram e Shiva decapitou-o. Para acalmar Parvathi, Shiva enviou suas hordas em busca da cabeça do primeiro ser vivo que acabou por ser um elefante, Shiva colocou a cabeça no menino e o trouxe de volta à vida. Parvathi simboliza shakti, o aspecto forma enquanto Shiva, o aspecto espiritual, o ser então criado por Parvathi não seria espiritualmente desenvolvido ou evoluído, e quando Shiva tenta entrar, o Eu superior não consegue, pois, o eu não permite, assim Shiva, o Eu superior mata a natureza inferior, tornando Ganesha filho verdadeiro de Shiva, e Parvathi por conceber um filho espiritualmente não evoluído ou não desenvolvido é colocada como uma mãe, sem méritos dentro do panteão hindu. Ao ligá-la a Shiva ela é colocada como esposa, porém inferior, essas personificações existem apenas para facilitar nossa compreensão, Deus Supremo, significa Parabrahman que também em uma das culturas mais antigas do mundo, a indiana, quer dizer sem forma, sendo assim, o princípio e o fim são um, assim como crianças precisamos de desenhos para compreender, exemplos para nos inspirar e palavras para consolar, apenas a elevação consciente e espiritual pode libertar. Aprender e escapar a roda do samsara não parece possível apenas por desenhos e palavras.
Sendo sem forma, manifesta-se como destruidor e restaurador, elimina o mal e restaura o bem, a onipotência, Deus pai, Shiva. Manifesta-se com preservação, ensina, transmite a oniprovidência, Deus o filho, Vishnu e seus avatares. A onisciência vem pela criação, o sopro, prana, a vida, Brahma, aspecto feminino, mãe, Elohim, Espírito Santo. Aspectos da Unidade suprema. Mãe Divina.
Jesus, Buda, Vishnu e tantas outras divindades não deixaram em nenhum lugar físico a fundação de uma Eclésia, deixaram ensinamentos a respeito de como conseguir salvação espiritual, transmutar o mal, conquistar com sua fé, não depender do que eles foram capazes de fazer, e sim do que você é capaz. Então quer dizer que seguir com fé própria pode salvar, todos podem virar deuses, criar universos, mundos, pessoas, sóis? Por que perguntar isso? Eles curaram, mas disseram que sua fé cura, a sua. Isso significa que todas as pessoas possuem poder de curar, abençoar, fazer o bem, e o mal também, um não existe sem o outro, um só é possível com o outro, desapegar-se só é possível a quem tem apego, crescer só é permitido àquele que ainda não cresceu. Curar é possível, voar é? Claro, se pode andar sobre as águas, pode-se voar, bilocar-se, conhecer outros mundos, outros multiversos, outras verdades.

Abra a mente, conscientize-se, desperte! Se não entendeu nada, sem problemas, eu que escrevi ainda estou tentando entender!

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