A História do comum


Lá vem ele descendo do morro
caminha com calma pela rua.
Alguém grita, perde socorro
mais uma trans pede ajuda.

Joga no chão sua mochila
dentro tem alguns livros:
Uma poética política,
do José Felicio
e do Marx, O Capital!
Carrega o sonho da mãe
“vestir um belo avental”.

Mas agora pega um pano,
que embrulhava a marmita,
ela sangra e chora.
Ele a acode, ela grita.

Ele auxilia, chama resgate,
demora.
As pessoas por ali transitam
com desprezo, ninguém se abate.
Ele sabe como é isso
ele é negro
ele é gay, é nordestino!

Todo o estereótipo
que é atacado, subjugado.
Pela mídia satirizado, machucado.
Ele não se abala segue forte,
tem força, estuda, conta com a sorte.

Ela foi levada, resgatada
uma amiga acompanha
com medo de ser maltrada,
na bolsa um estilete, a sua arma.

O contexto no seu ouvido sussurra:
“Tradição, família e propriedade”.
Não se enquadra é oprimido,
direitos suprimidos
não sabe o que fazer,
a não ser
aprender, conhecimento
do pobre é o fortalecimento.

Agora no ônibus cheio, lotado
empurra, empurra, parece gado
passagem e vida caras,
ônibus trava, para, quebrou,
todo mundo desce, a chuva não passa.

As pessoas xingam, correm,
amaldiçoam o motorista,
a chuva, a má sorte.

Mas ele segue consciente:
“no trabalho com atraso
ninguém perdoa a gente
na labuta, na lida, no serviço
não pensa, só segue o ritmo
não pode falar nem criticar
já levo bronca: questionamento?
Aqui nada disso
ou desemprego!”

Hora do café e do preconceito
escuta piada, só chacoteamento,
pedem ditadura, arma, morte ao detento
se for gay, só no inferno tem!

Soa a campainha, volta murcho
o trabalho continua.
Percebe que trabalha mas,
de outro será a fortuna

“Almoçar, pra quê essa tortura?
Ouvir besteira sobre ditadura?
Que gay vai pro inferno
e que mãe de preto é puta?”
Ele não aguenta mais, pensa:
“O que eu faço, ninguém entende?”

“A mídia só defende amigos,
Político preso? Nunca é bandido.
Justiça feita? Jamais!
Nem de todo mundo ela vai atrás!
Ela foi politizada!
Imparcial?
Nem mídia de massa,
nem tribunal!
Ainda não percebem que perdemos?
O golpe se concretiza
com o Rio violento
tendo às margens o rifle truculento!”

“Aqui está a experiência ocorrendo,
e tem gente que acha
que ninguém está morrendo.
Porque só se fala:
barbudo corrupto,
juiz impoluto,
candidatos sobre o muro.
Mas principalmente
do metatarso intransigente."

Mas volta ao trabalho,
nada mais a fazer!
“Minha mãe precisa do dinheiro
Eu preciso comer, estudante
raro quando há dinheiro de lanche.
Mas a vida vai melhorar,
eu busco um caminho
uma forma de não cair.
A política que nos mata
sem a gente arguir!”

Já no caminho da faculdade,
no bolso, uma bala e identidade.
Vai a pé, economiza
alguém grita, ele não olha.
Tem a Alma aflita
sente uma pancada,
“Alguém me ajuda!” - ele pede.

Após golpes e bofetes
Olho no olho ele escuta:
“- Você fede”!

Sangrando tenta se suster,
um grupo de pessoas chega
todos com coragem, vem socorrer.
Expulsam agressores
levantam-no, ajudam-no,
ele sente-se feliz
escapou de morrer, por um triz.

A morte o espreita

“Quem fez isso?” – ele pergunta

“- Foram uns minibabacas.
Que gritam por tradição e ditadura.
Que de verde e amarelo vão às ruas.
Que não entendem de política.
Que não sabem o que é democracia.
Que vivem explorados.
Que não sabem o que é ser marginalizado.
Que gritam por qualquer otário.
Que dizem que é melhor andar armado.
Que certo é homem com mulher do lado.
Que ser for diferente,
vai ao inferno indecente.”

Ele sentiu que ainda há chance
não de briga ou revanche,
mas viu que o povo se uniu.
Contra bandidos homofóbicos, rascistas,
para salvar um dos seus.
Mais um!
Que por sorte não morreu,
pois,
do seu lado pesam as estatísticas
Gay, Negro, Pobre.
É o primeiro da lista!

"Até quando isso continua?"

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