Você é real?
Em
que se baseia o conceito de realidade para uma criança de 3 anos? Fico pensando! Quando meu caçula,
perguntou-me se eu seria real, engasguei e respondi como um verdadeiro...imbecil! Tentei
explicar-lhe a realidade permeando objetividade e subjetividade, percepções, o
tudo e o nada. Depois, olhando em seus olhos senti-me em um teste. Ele já sabia
a resposta, essa pergunta me foi feita por ele mais quatro ou cinco vezes, e a cada resposta que lhe apresento menor me sinto.
Algum
tempo antes, ele com 2 anos, inquiriu-me dessa maneira:
-
Pai!
-
Oi meu amor!
-
Por que o porco não tem o pescoço comprido igual à girafa?
Anos
de evolução, Darwin, Dawkins, deuses, Noé e Jeová, Annunakis, alienígenas do
passado, Sichtin, unicórnios, calendário maia, 2012 (o filme), apocalipse... e
tantas outras informações “fritaram” meu cérebro. Chamei minha esposa,
contei-lhe o que havia ocorrido – e ele brincando com seus carrinhos – ela assim
disse assim:
-
Responde pra ele! – rindo e espantada como eu.
Novamente
faço papel de idiota. Misturo criacionismo com evolucionismo e no fim da pífia
argumentação, onde resumindo, afirmei que a girafa evoluiu para se alimentar
das folhas das copas das árvores; os porcos buscavam alimentos próximos a superfície
e abaixo dela e etc.
Mas
surge outro teste:
-
Por que a girafa só come folhas?
Expliquei
que são animais herbívoros, tecnicamente dóceis, calmos... (creio estar certo)
ele me agradeceu e voltou a brincar.
Além
de Beatles, AC/DC e Titãs (a banda), pois, ele gosta também dos Jovens Titãs, o
desenho animado e de dinossauros. Falei-lhe sobre fósseis. Entendeu bem!
Aprendeu o nome de alguns “dinos”, mas sempre me testa com o Pterodáctilo ou Ptrerossauro.
Perguntando-me qual o nome do dinossauro que voa ( ele prefere Pterodáctilo ),
há questões técnicas sobre ser ou não um dinossauro que voa. Enfim, sempre
respondo. Fico em duvida, se ele está a par das tais questões técnicas.
E
vem a questão:
-
Pai!
-
Oi meu filho!
-
Por que o Tiranossauro Rex não voa e
o Pterodáctilo voa? – claro que a pronuncia dos nomes, permanece no espectro
considerado “normal” para a dicção de uma criança de 3 anos, sem dificuldades
na fala.
E novamente,
caí no teste! Falei, falei... evolução, criação..blá blá blá!
Mas,
cada vez que olho em seus olhos, me sinto não saber ao certo quem está
ensinando o quê a quem. Isso não pertence apenas a percepção de um pai amoroso,
já que conheço outras crianças dessa geração que agem com essas capacidades,
imaginação e criatividade. O mundo tem jeito ainda!
Ele
escolhe o que quer vestir, pede para visitar os avós, cria brincadeiras, nos
elogia, agradece quando fazemos algo para ele - mesmo quando recusa – escolhe o
lugar do passeio, sua audição e sua visão parecem de um super herói, seu olfato "acha trufas a quilômetros de distância". A determinação é a de um CEO de uma multinacional e o coração de
um pacifista hindu ou de uma madre em Calcutá.
Dentro
dos nossos valores e conceitos, apresentamos-lhe o que consideramos uma
educação na qual todas as pessoas são livres para amar e viver, pois,
acreditamos na igualdade entre todxs. Com algumas possuindo necessidades mais
urgentes, o que gera prioridade a essas. Mas o sistema educacional (escola
formal) onde tudo que é ensinado em casa, é posto a prova, além de novos
conhecimentos que chegam estão preparados para crianças como ele?
Na
Antroposofia, desenvolvida pelo alemão Rudolf Steiner, há o modelo pedagógico
conhecido como Waldorf, que trabalha
a integralidade do ser. E tendo contato com a bibliografia sobre o tema,
encontrei essa afirmação:
“A escola é o segundo lar, quando o lar
é a primeira escola”
Algo
transcendente, tão profundo, desconhecido e/ou esquecido por nós. Leciono
História e Filosofia para adolescentes, e as mudanças evolutivas que mensuramos
por geração, num cálculo entre 20 e 25 anos, hoje mostra-se não por mudanças,
mas por saltos. E em 4 ou 5 anos percebemos as transformações que antes se
davam em décadas.
Em
média lido com 600 adolescentes por semana, por mais que queiram se parecer ou
se diferenciar, cada qual é um universo em si, mas são trancafiados com mais 35
ou 40 em cubos de madeira ou concreto, sem ter respeitado sua individualidade,
humanidade, vontades, capacidades e passado. Submetidos a uma pessoa mais
velha, que também não tem respeitado sua individualidade, humanidade, vontades,
capacidades, passado e parece ter vindo de outro mundo, as modificações sociais
e culturais são tão rápidas que por vezes somos extraterrestres em nosso
planeta, funcionando como engrenagens enferrujadas numa estrutura etérea que
intenta produzir um motor quântico com palhas e barro.
Por
quantas vezes podamos essa juventude e sua criatividade? Será que o
conhecimento que julgamos (como professorxs ou como adultxs) é realmente
essencial?
“Ensinamos
para o mercado de trabalho e para a vida!”
Várias
vezes repeti essa balela como um zumbi, acho que acordei! Há algum tempo, um
amigo enviou-me uma charge na qual, uma família nos “moldes tradicionais” de
comercial de refrigerante e margarina está jantando. Um dos familiares pergunta
a criança como havia sido seu dia na escola, no balãozinho a sua resposta se
resumia à uma parte de uma folha de respostas (gabarito) com alguns círculos preenchidos
da cor preta.
Condicionamento
executado com sucesso! “Preencheu bem e quietinho, então terá um futuro
promissor!” Mais peões!
Toda
aquela curiosidade de criança, onde foi parar? Quem a arrancou como se fosse
uma erva daninha? A escola? Os pais? Não quero educar alguém para o mercado de
trabalho, quero educar alguém que nos ajude a eliminar esse sistema de
exploração. Há modelos educacionais, que em grande parte proporcionam
oportunidades para as crianças desenvolverem-se plenamente, integralmente,
porém, não acessíveis aos mais pobres. Quando escrevo: os mais pobres, não
associe a apenas negros e favelas por causa de seu preconceito implícito,
lembrem-se também de você e de mim, o barco quando afunda leva todxs, não se
considere superior!
O
barbudinho da Galiléia disse que o céu é das criancinhas, provavelmente, sabia
que destruiríamos o futuro da maioria delas, assim como bagunçaram o nosso. Talvez,
a criança que fui um dia, esteja ainda presente em mim (o que me facilita às
vezes, ver o mundo com a cabeça “nas nuvens”), criticando-me sempre para que eu
não seja chato, para que eu brinque mais, tenha mais empatia e compaixão pelas
outras crianças, sejam elas velhas ou novas.
Quando
criança eu acreditava, não sei de onde tirei isso, que as montanhas seriam
gigantes mortos ou adormecidos. Mortos faziam mais sentido! Achava que a
realidade que eu vivia não era uma só – mesmo sendo muito feliz – que existia
algo além, não sabia ao certo, mas acreditava que tudo isso também podia ser
nada disso. Possivelmente, quando na puberdade e na adolescência comecei a ler
sobre astronomia, história, religiões, Carl Sagan, vida extraterrestre... era a
curiosidade daquela criança que ao longo do tempo deixei de lado, me fazendo
evoluir.
E
depois das coisas que leio, estudo e produzo. Mesmo tendo como referências de
pensamento Sócrates, Tagore, Yogananda e tantxs outrxs, uma criança de 3 anos
desmontou-me, me fez ver que sei menos daquilo que achei um dia saber. Nem sei
se sou real. Será que soube um dia o que é ser real ou o que é realidade? Ele
como criança sabe, mas eu como adulto preciso dele para me ensinar! Espero
aprender!


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