A inoperância da existência individualista


Contra a repressão exigiu-se durante muito tempo a liberdade de expressão, a partir de 1988 tornou-se constitucional, legal, de direito (algo que é de interesse social desde o século XVIII e “reafirmado” mundialmente em 1948). Desde então a sociedade brasileira goza do inalienável direito de se manifestar publicamente, criticar governos, situações, instituições, sociedade, sistemas, costumes, tradições, posturas, livros, estudos, teorias e o que desejar. Julgar o que para você é bom ou mau, certo ou errado. Relativamente são ambos.
Para reclamar sua liberdade de expressão é necessário repressão? Há repressão hoje? Sabemos usar nossa liberdade? Qual a necessidade desta se não sabemos usá-la? É necessário saber? Há limites para a liberdade? Pode-se encarcerar a liberdade? A liberdade existe de forma condicionada? Para ser livre vive-se primeiro o cárcere? Libertar-se custará algo? Haverá represálias? Não? Repressão física, moral, intelectual, cultural, social, política, econômica, virtual existem de alguma forma hoje?
Bem, então se vive a tal democracia utópica, onde a população se expressa livremente, exercem sua soberania como povo, faz protestos, greves, manifestações pacíficas sem ter que lutar contra o uso “legítimo” de violência pelas forças protetoras do Estado livre, laico e social, cogitando essa perspectiva como uma possível nação ideal. A noção de Estado de Hobbes se encaixaria melhor no nosso Brasil, assim como uma mistura da democracia entendida por Churchill e definida por Sólon, apesar do sufrágio universal, o povo vive ainda como um amontoado de eleitores inconscientes.
Desse modo ainda inconsciente perde-se em discussões sobre Golpe X Impeachment, de acordo com a linha historiográfica, que o define, conceituando a partir de uma dialética hegeliana, que confronta ideias, articula argumentos dicotômicos e estrutura a tal liberdade de expressão ante uma repressão, o equilíbrio e o mal necessário?
Claro que não! Se ainda discute, se foi golpe ou impedimento, é devido a uma força ideológica conhecida como senso comum, erigida por um dos pilares do capitalismo, o quarto poder, o qual consegue impor a vontade opressora e reacionária, ao fantasiar água salgada em um elixir da vida ao sedento no deserto político da vulnerabilidade do seu lar.
Uma sociedade formada por pessoas inconscientes politicamente, encastelados em seu individualismo, não no sentido renascentista, que referia-se a capacidade, talento e criatividade do ser humano, mas no sentido egoísta, burguês. E só reconhece a união do povo por um bem comum, se de acordo com o quarto poder, essa reunião não afetá-lo, toma-se como exemplo uma paralisação de caminhoneiros contra o aumento ou criação de taxas ou “contribuições” sociais, porém, a manifestação vem como resposta da elite que sente-se ferida financeiramente e repassa aos explorados suas dores e prejuízos, estes apesar da importância produtiva, são o elo que suporta menos o esticar, portanto, não por falta de intelecto mas por escassez de lideres, por comodismo messiânico, estrutura sociopolítica e questionamentos sociais ajustam-se em quaisquer protestos como marionetes de uma elite magoada.
Aplica-se isso a bancários que percebem a hecatombe de instituições financeiras de portas fechadas, a sociedade se desespera, reconhecendo a manifestação como válida, mas o medo e a necessidade da menina dos olhos do capitalismo posicionam-se, mesmo não compreendendo a favor das punições contra os requerentes, o individualismo não apoia protestos e greves, pois vê aí prejudicado o seu direito de cidadão. O mesmo acontece na saúde e transporte público.
Quanto à educação, a sociedade não se percebe prejudicada pela falta de investimentos e desestruturação do sistema de ensino. Muitas vezes por não ter sido participada diretamente dos problemas, apesar de influírem diretamente no nosso cotidiano. Uma educação que extraí, deposita e considera o seu foco como objeto obscuro, dificilmente será capaz de fazer presença ante desmandos diversos. Talvez porquê, durante anos as escolas fecharam-se em pequenos feudos, o corpo docente enclausurou-se em sua ignóbil sabedoria e o corpo estudantil que sempre esteve fora da pauta de planejamentos, sente-se como uma lâmpada que não funciona quando conectada a um sistema que não lhe oferece o que precisa para cumprir sua função, no entanto, dizem-na que só funcionará conectada, quando na verdade tudo o que precisa já possui. Tem luz própria, mas não lhe permitiram ter a oportunidade de ter o direito de ser livre para iluminar o seu caminho.
Toda pessoa consciente de si mesma é consciente do todo, e deixará de ser mais uma e será ela mesma a agente de transformação. Nesse organismo, o único conhecido em que seu sistema possui seres que competem entre si ao invés de funcionar de forma colaborativa. Deve ser por isso que algo parece não existir da maneira como esperamos, assim ficamos felizes quando encontramos alguém para culpar e alguém numa situação mais desfavorável que a nossa para nos alegrar.

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